terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vida leva eu

Após um 2011 de shows extraordinários como os de Beto Guedes, João Bosco e  Adriana Calcanhotto, este último já na fase de hibernação do Correio, estreamos 12 com show do Chico, de repertório bolado em torno do recente disco Chico, do qual tanto tem se ocupado a grande imprensa (e nós, e nós).

O show vai muito além do que cabe em um post. Há inúmeros vídeos disponíveis no youtube com bons trailers (e aqui o M.A.T.E. -  Movmento Anti-Trailer Explícito se cala, pois nenhum vídeo chega perto da coisa em si, por assim dizer - muito embora o blog não tenha tomado conhecimento de set lists, críticas, vídeos, nada antes da experiência em si. É só um jeito de corpo, não precisa ninguém me acompanhar...). Eu recomendo como trailer Bastidores.

Ergue-se o painel com um desenho do Niemeyer, surge outro painel inspirado na obra de Portinari (ao som de um arranjo ferroviário que faz logo lembrar do Trenzinho do Caipira) e sobe o perfume dos primeiros acordes de O Velho Francisco, canção genial de 87 que inspirou Chico a escrever Leite Derramado. É muito bom ser brasileiro, penso eu.

Daí, com a canção rodando sem parar na Rádio Cabeça esses dias, fiz essa ilustração pra mostrar as rimas internas da letra. Algumas, como lavada/cavalo ficaram de fora. E as que ainda não peguei, 24 anos depois de conhecer a música...


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Miles além

Ainda há tempo (até 28/9) de ouver a exposição Miles, no CCBB, uma extensa mostra da obra do genial músico que foi do bebop ao rock passando por cool, free, funk e todos os matizes intermediários do jazz. O verbo da primeira fase não saiu com erro de digitação não, é ouvir/ver, pois a exposição tem câmaras (algumas são antigos cofres do prédio do Banco do Brasil) onde tocam em loop faixas dos trabalhos mais representativos de Miles para os ouvidos e salas com fotos, filmes e capas de disco à mancheia para os olhos.
Sobre vida e obra de Miles, os verbetes da Wikipedia, em português e inglês são bem completos. A onda que vale da exposição é mais o tratamento cenográfico, com iluminações diversas para as diversas fases da trajetória musical, além do som, do som, do som, do som que me fez ficar umas duas horas reouvindo as faixas, naquele contexto ambiente todo.
Dos objetos expostos, tocou-me fundo o saxofone de John Coltrane, que tocou com Miles por exemplo no histórico álbum Kind of Blue e foi soprar suas notas de todas as cores no andar de cima poucos dias antes de eu baixar aqui no planetinha azul (pronto, com dois cliques descobrem minha idade...) e cuja música é uma das minhas coisas favoritas no referido planetinha.
Quando fui ao CCBB estava lendo Muito Além do Nosso Eu, do neurofisiologista Miguel Nicollelis (trecho aqui, resenha aqui, post meu sobre o livro em breve, promessas, promessas...), leitura aliás recomendada pra quem gosta de livros muito bem escritos sobre ciência, e no livro Nicolelis descreve como nossa mente incorpora objetos como parte do nosso eu para movê-los com mais precisão e destreza. Ele dá o exemplo de músicos e jogadores de futebol, tem até uma palestra intitulada Como o Corpo Incorpora a Bola, e trabalha para que um tetraplégico dê o pontapé inicial da Copa de 2014! Em vista disso, ver o saxofone do Coltrane ali, a uma vitrine de distância, foi como ver um pouco desse Eu incrível dele.
As dissonâncias e a exploração de fronteiras musicais do jazz sempre me pareceram, impressão confirmada pela visita, um avanço impressionante no conhecimento humano, totalmente em descompasso com o estágio de evolução simultânea da tecnologia à época, pra não dizer da inteligência social, ambiental e espiritual da espécie, algo assim como se nos anos 40/50 do século XX, alguém inventasse o iPad 7 ou as sociedades começassem a se preocupar de verdade com sua sobrevivência de uma forma mais igualitária e sustentável.
Fica a sugestão pra quem gosta de jazz, música, cultura pop e história do Século XX. Abaixo, Miles Davis transformando em standard, clássico, a canção Time After Time, gravada antes e depois por Cindy Lauper.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Pregui

Inscrevi-me no ciclo de conferências Elogio à Preguiça, mas, em uma piada pronta, não tenho conseguido comparecer, sabe como é, depois do trabalho, minha filha não dorme enquanto eu não chegar etc. Ontem quebrei o paradigma e diverti-me bastante assistindo a José Miguel Wisnik falar sobre Mário e Oswald de Andrade e a relação do pensamento de ambos com a preguiça e o ócio com a costumeira verve e desembaraço, ainda encerrando com a  seguinte declaração desassombrada e macunaímica, acerca de sua promessa, na sinopse do evento, de abordar o tema sob o enfoque dos conceitos de Hannah Arendt, sequer mencionada:
- Eu menti.
Wisnik discorreu com o auxílio de conceitos de Freud, Nietzche e outros que minha memória em barafunda não registrou, ampliando a compreensão de textos como Macunaíma e Manifesto Antropofágico para além dos estereótipos mais comuns e mostrando as questões relativas aos projetos de Brasil subjacentes aos trabalhos andradinos.
Em meia tuitada, o dilema à época era de que se o Brasil se moderniza perde a riqueza da cultura popular, e se fica preso à cultura popular não se moderniza. Como veem, questão bem atual.
Em hora e meia de palestra, José Miguel apresentou as complementaridades entre os dois Andrades, contou histórias deliciosas de ambos e resumiu a busca por um modelo diferente do atual, de que o ciclo de conferências é um exemplo, fazendo uma comparação entre as sociedades da dívida e da dádiva (jogo de sonoridades que, claro, deu música do MC Rashid, que não cheguei a ouvir).
No modelo presente a lógica é uma dívida crescente feita para nunca ser paga, vide crise americana, e que mimetiza a dominância na cultura ocidental da ideia de ações com finalidades definidas tentando escapar de um fim, evitando falar de morte, por exemplo.
Já em sociedades indígenas, a lógica é a dádiva, não no sentido de descompromisso e gratuidade, mas do estabelecimento de uma rede de trocas que se retroalimenta e se sustenta no tempo, sem fim, criando laços entre as pessoas da sociedade.
Na volta pra casa, tocava na minha cabeça só essa canção do Caetano, por causa do verso "vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor". Essa versão abaixo é nova, com Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Devendra Banhart. A original do Caetano é essa aqui, e ainda tem vídeos de versões com ele e Teresa Cristina e Adriana Calcanhotto.
Pretendo voltar em mais conferências, algo me diz que andei perdendo muito...

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quando me sinto assim, volto a ter 11 anos

A TV no fundo da cena fala sobre o desastre da usina de Three Mile Island, e na minha cabeça passa o filme de um garoto de 11 anos (daí o título do post - pequena paródia dessa canção do IRA que inclui o verso "vivendo e não apendendo", título do álbum de 87) sob o céu azul de julho e as folhas de amendoeiras com seus matizes interminavelmente cambiantes, refletindo sobre a possibilidade do Skylab cair sobre a cabeça de alguns dos colegas que ali ao lado se digladiavam numa feroz batalha de futebol de chapinha, ele no time de fora.
O filme na tela do kinoplex, 2011, é SUPER 8, ambientado em 79, e se você já estava então na área e gosta do tipo de cinema de Spielberg, vale a ida. Spielberg co-produz o filme, escrito e dirigido por J.J. Abrams, criador de Lost. A reconstituição da época é, óbvio, brilhante (eu quase com certeza tive umas duas camisas iguais aos dos garotos do filme, e coleguinhas de 12 anos gracinhas como a atriz Elle Fanning), e a história mescla aquela doce melancolia embalada em suspense de tantos filmes do Spielberg com a trajetória clássica de filmes de descoberta da adolescência, como Conta Comigo ou Caçadoras de Aventuras, de preferência vistos em uma tarde útil, tornada superútil por alguma oportunidade inusitada de ócio.
Não dá pra contar quase nada da trama (não fosse o blog fundador e membro ferrenho [e único...] do M.A.T.E. - Movimento Anti-Trailer Explícito), mas graças a programas de edição de vídeo, editamos o trailer pra contar bem pouquinho (ainda mais que as legendas estão péssimas e incompreensíveis, mas já tava assim quando eu cheguei!) e mostrar o clima da película. Vejam aí e animem-se a pegar um cineminha sem compromisso. 
Ah, o melhor de tudo: não é 3D!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vamos, sim!

Com atraso injustificável de três meses, falo um pouco do fabuloso show de João Bosco no Teatro Rival, com as naturais impossibilidades de quem, segundo a própria filha, carrega a memória no celular...
O show fez parte de uma longa e fecunda turnê de lançamento do disco Não vou pro céu, mas já não vivo no chão, que já andou por todo o Brasil, Europa, Cabo Verde e além, e continua, semana passada em Caruaru, tomara que logo logo de volta ao Rio.
O título do disco vem dos versos de uma das canções que marcaram a retomada da parceria com Aldir Blanc. Após assistir ao show de lançamento do trabalho no Teatro Rival, permito-me discordar: Vai pro céu, sim! Vamos todos, pelo menos na hora e cinquenta que dura a apresentação.
Para quem tiver interesse e paciência de ler, quando o disco foi lançado, em 2009, escrevi uma longa resenha num e-mail para um grupo de apreciadores da canção brasileira, egressos, o grupo e os apreciadores, das oficinas de letra de canção de Francisco Bosco (filho do João), Fred Martins e Marcelo Diniz, das quais já falei aqui.
O show pega bons momentos do disco e os mescla com outros ótimos momentos da carreira de João Bosco, o que já é dizer muito. Ao lado de um trio de músicos feroz e animadíssimo, que começa no patamar mais alto do samba-jazz ou samberklee, como brincou Caetano, em referência ao Berklee College of Music, tocando uma versão demolidora de Incompatibilidade de Gênios. Esse primeiro set do espetáculo é todo intenso, com Ricardo Silveira (guitarra),  Ney Conceição (baixo) e Jurim Moreira (bateria) unindo-se ao violão de João e claramente se divertindo muito com as combinações de arranjo. As músicas do disco novo aparecem pra dar uma suavizada, como em Perfeição. Pena que os três meses de lapso não me deixam lembrar da lista de músicas e de detalhes de execução.
O segundo set é de João e seu violão, ele que como outro João, guarda uma relação muito íntima e especial com seu instrumento. É a hora de ouvirmos versões delicadas e intensas de canções do disco novo, como a desnorteante Desnortes e a indispensável Tanto Faz, clássicos de João Bosco como  e joias da canção brasileira, de Caymmi a Paulinho da Viola, passando por Tom Jobim, pra vocês sentirem a dimensão da coisa.
O terceiro set é João correndo pro abraço, tocando aquelas músicas que todo mundo quer ouvir: Papel Machê, Corsário, Quando o Amor Acontece, Jade etc. A energia circulando entre palco e plateia no Rival daria para abastecer um povoado por algumas semanas, caso a tecnologia dos homens já soubesse converter vibrações musicais e amorosas em eletricidade.
Como já falei aqui, João Bosco e Chico Buarque me parecem dois artistas que conseguem, a essa altura de suas vidas, criar canções inéditas que nos chegam com o frescor de um artista novo, desconhecido, de quem ouvimos uma música e dizemos "esse ainda vai longe". Também como Chico, quando João diz alguma coisa, vê-se nitidamente que aquilo foi pensado, refletido, sentido.
O mundo dá tanta volta que dia desses, depois de ver o Flamengo (meu e de João hehehe) despachar mais um adversário rumo a Tóquio (o Mundial de Clubes ainda é no Japão? Lá se vão 30 anos...), fiquei relaxando vendo um minicapítulo de O Astro, remake de novela lançado pela Globo com a versão original da música tema de João e Aldir, Bijuterias, na abertura. Que soa ainda hoje moderna, uma espécie de bolero-soul-rap. com seus trechos falados, que lembram também a recente Tipo um Baião, do Chico. É como se os compositores quisessem explicitar a relação da fala com a canção.
Se João Bosco passar na sua cidade, largue tudo e vá ver. Afinal, quando um cara que mora dentro da casca do próprio violão sai por aí arrastando a casa, há que se ter ouvidos de ouvir.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Bonequinha viu



Minha filha, 7 anos, crítica de cinema:
- Caraca, eu já conheço esse filme desde que eu era pequenininha...
- O filme é bom, mas é triste.
- Não pode ser 3D! As pessoas vão chorar e molhar os óculos, ninguém vai ver nada!