Inscrevi-me no ciclo de conferências Elogio à Preguiça, mas, em uma piada pronta, não tenho conseguido comparecer, sabe como é, depois do trabalho, minha filha não dorme enquanto eu não chegar etc. Ontem quebrei o paradigma e diverti-me bastante assistindo a José Miguel Wisnik falar sobre Mário e Oswald de Andrade e a relação do pensamento de ambos com a preguiça e o ócio com a costumeira verve e desembaraço, ainda encerrando com a seguinte declaração desassombrada e macunaímica, acerca de sua promessa, na sinopse do evento, de abordar o tema sob o enfoque dos conceitos de Hannah Arendt, sequer mencionada:
- Eu menti.
- Eu menti.
Procurei um link pra pôr aí em cima no nome do Wisnik, mas são tantas as possibilidades (colunas brilhantes às sextas no Globo, livro definitivo sobre futebol e identidade brasileira, aulas-show sobre o fim da canção, canções compostas antes, depois e apesar do fim da canção, talvez o único sujeito que pôs letra em uma melodia de Chico Buarque) que tive que fazer pelo menos esses cinco.
Wisnik discorreu com o auxílio de conceitos de Freud, Nietzche e outros que minha memória em barafunda não registrou, ampliando a compreensão de textos como Macunaíma e Manifesto Antropofágico para além dos estereótipos mais comuns e mostrando as questões relativas aos projetos de Brasil subjacentes aos trabalhos andradinos.
Em meia tuitada, o dilema à época era de que se o Brasil se moderniza perde a riqueza da cultura popular, e se fica preso à cultura popular não se moderniza. Como veem, questão bem atual.
Em hora e meia de palestra, José Miguel apresentou as complementaridades entre os dois Andrades, contou histórias deliciosas de ambos e resumiu a busca por um modelo diferente do atual, de que o ciclo de conferências é um exemplo, fazendo uma comparação entre as sociedades da dívida e da dádiva (jogo de sonoridades que, claro, deu música do MC Rashid, que não cheguei a ouvir).
No modelo presente a lógica é uma dívida crescente feita para nunca ser paga, vide crise americana, e que mimetiza a dominância na cultura ocidental da ideia de ações com finalidades definidas tentando escapar de um fim, evitando falar de morte, por exemplo.
Já em sociedades indígenas, a lógica é a dádiva, não no sentido de descompromisso e gratuidade, mas do estabelecimento de uma rede de trocas que se retroalimenta e se sustenta no tempo, sem fim, criando laços entre as pessoas da sociedade.
Na volta pra casa, tocava na minha cabeça só essa canção do Caetano, por causa do verso "vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor". Essa versão abaixo é nova, com Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Devendra Banhart. A original do Caetano é essa aqui, e ainda tem vídeos de versões com ele e Teresa Cristina e Adriana Calcanhotto.
Pretendo voltar em mais conferências, algo me diz que andei perdendo muito...
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