sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Miles além

Ainda há tempo (até 28/9) de ouver a exposição Miles, no CCBB, uma extensa mostra da obra do genial músico que foi do bebop ao rock passando por cool, free, funk e todos os matizes intermediários do jazz. O verbo da primeira fase não saiu com erro de digitação não, é ouvir/ver, pois a exposição tem câmaras (algumas são antigos cofres do prédio do Banco do Brasil) onde tocam em loop faixas dos trabalhos mais representativos de Miles para os ouvidos e salas com fotos, filmes e capas de disco à mancheia para os olhos.
Sobre vida e obra de Miles, os verbetes da Wikipedia, em português e inglês são bem completos. A onda que vale da exposição é mais o tratamento cenográfico, com iluminações diversas para as diversas fases da trajetória musical, além do som, do som, do som, do som que me fez ficar umas duas horas reouvindo as faixas, naquele contexto ambiente todo.
Dos objetos expostos, tocou-me fundo o saxofone de John Coltrane, que tocou com Miles por exemplo no histórico álbum Kind of Blue e foi soprar suas notas de todas as cores no andar de cima poucos dias antes de eu baixar aqui no planetinha azul (pronto, com dois cliques descobrem minha idade...) e cuja música é uma das minhas coisas favoritas no referido planetinha.
Quando fui ao CCBB estava lendo Muito Além do Nosso Eu, do neurofisiologista Miguel Nicollelis (trecho aqui, resenha aqui, post meu sobre o livro em breve, promessas, promessas...), leitura aliás recomendada pra quem gosta de livros muito bem escritos sobre ciência, e no livro Nicolelis descreve como nossa mente incorpora objetos como parte do nosso eu para movê-los com mais precisão e destreza. Ele dá o exemplo de músicos e jogadores de futebol, tem até uma palestra intitulada Como o Corpo Incorpora a Bola, e trabalha para que um tetraplégico dê o pontapé inicial da Copa de 2014! Em vista disso, ver o saxofone do Coltrane ali, a uma vitrine de distância, foi como ver um pouco desse Eu incrível dele.
As dissonâncias e a exploração de fronteiras musicais do jazz sempre me pareceram, impressão confirmada pela visita, um avanço impressionante no conhecimento humano, totalmente em descompasso com o estágio de evolução simultânea da tecnologia à época, pra não dizer da inteligência social, ambiental e espiritual da espécie, algo assim como se nos anos 40/50 do século XX, alguém inventasse o iPad 7 ou as sociedades começassem a se preocupar de verdade com sua sobrevivência de uma forma mais igualitária e sustentável.
Fica a sugestão pra quem gosta de jazz, música, cultura pop e história do Século XX. Abaixo, Miles Davis transformando em standard, clássico, a canção Time After Time, gravada antes e depois por Cindy Lauper.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Pregui

Inscrevi-me no ciclo de conferências Elogio à Preguiça, mas, em uma piada pronta, não tenho conseguido comparecer, sabe como é, depois do trabalho, minha filha não dorme enquanto eu não chegar etc. Ontem quebrei o paradigma e diverti-me bastante assistindo a José Miguel Wisnik falar sobre Mário e Oswald de Andrade e a relação do pensamento de ambos com a preguiça e o ócio com a costumeira verve e desembaraço, ainda encerrando com a  seguinte declaração desassombrada e macunaímica, acerca de sua promessa, na sinopse do evento, de abordar o tema sob o enfoque dos conceitos de Hannah Arendt, sequer mencionada:
- Eu menti.
Wisnik discorreu com o auxílio de conceitos de Freud, Nietzche e outros que minha memória em barafunda não registrou, ampliando a compreensão de textos como Macunaíma e Manifesto Antropofágico para além dos estereótipos mais comuns e mostrando as questões relativas aos projetos de Brasil subjacentes aos trabalhos andradinos.
Em meia tuitada, o dilema à época era de que se o Brasil se moderniza perde a riqueza da cultura popular, e se fica preso à cultura popular não se moderniza. Como veem, questão bem atual.
Em hora e meia de palestra, José Miguel apresentou as complementaridades entre os dois Andrades, contou histórias deliciosas de ambos e resumiu a busca por um modelo diferente do atual, de que o ciclo de conferências é um exemplo, fazendo uma comparação entre as sociedades da dívida e da dádiva (jogo de sonoridades que, claro, deu música do MC Rashid, que não cheguei a ouvir).
No modelo presente a lógica é uma dívida crescente feita para nunca ser paga, vide crise americana, e que mimetiza a dominância na cultura ocidental da ideia de ações com finalidades definidas tentando escapar de um fim, evitando falar de morte, por exemplo.
Já em sociedades indígenas, a lógica é a dádiva, não no sentido de descompromisso e gratuidade, mas do estabelecimento de uma rede de trocas que se retroalimenta e se sustenta no tempo, sem fim, criando laços entre as pessoas da sociedade.
Na volta pra casa, tocava na minha cabeça só essa canção do Caetano, por causa do verso "vejo uma trilha clara pro meu Brasil, apesar da dor". Essa versão abaixo é nova, com Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Devendra Banhart. A original do Caetano é essa aqui, e ainda tem vídeos de versões com ele e Teresa Cristina e Adriana Calcanhotto.
Pretendo voltar em mais conferências, algo me diz que andei perdendo muito...

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quando me sinto assim, volto a ter 11 anos

A TV no fundo da cena fala sobre o desastre da usina de Three Mile Island, e na minha cabeça passa o filme de um garoto de 11 anos (daí o título do post - pequena paródia dessa canção do IRA que inclui o verso "vivendo e não apendendo", título do álbum de 87) sob o céu azul de julho e as folhas de amendoeiras com seus matizes interminavelmente cambiantes, refletindo sobre a possibilidade do Skylab cair sobre a cabeça de alguns dos colegas que ali ao lado se digladiavam numa feroz batalha de futebol de chapinha, ele no time de fora.
O filme na tela do kinoplex, 2011, é SUPER 8, ambientado em 79, e se você já estava então na área e gosta do tipo de cinema de Spielberg, vale a ida. Spielberg co-produz o filme, escrito e dirigido por J.J. Abrams, criador de Lost. A reconstituição da época é, óbvio, brilhante (eu quase com certeza tive umas duas camisas iguais aos dos garotos do filme, e coleguinhas de 12 anos gracinhas como a atriz Elle Fanning), e a história mescla aquela doce melancolia embalada em suspense de tantos filmes do Spielberg com a trajetória clássica de filmes de descoberta da adolescência, como Conta Comigo ou Caçadoras de Aventuras, de preferência vistos em uma tarde útil, tornada superútil por alguma oportunidade inusitada de ócio.
Não dá pra contar quase nada da trama (não fosse o blog fundador e membro ferrenho [e único...] do M.A.T.E. - Movimento Anti-Trailer Explícito), mas graças a programas de edição de vídeo, editamos o trailer pra contar bem pouquinho (ainda mais que as legendas estão péssimas e incompreensíveis, mas já tava assim quando eu cheguei!) e mostrar o clima da película. Vejam aí e animem-se a pegar um cineminha sem compromisso. 
Ah, o melhor de tudo: não é 3D!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vamos, sim!

Com atraso injustificável de três meses, falo um pouco do fabuloso show de João Bosco no Teatro Rival, com as naturais impossibilidades de quem, segundo a própria filha, carrega a memória no celular...
O show fez parte de uma longa e fecunda turnê de lançamento do disco Não vou pro céu, mas já não vivo no chão, que já andou por todo o Brasil, Europa, Cabo Verde e além, e continua, semana passada em Caruaru, tomara que logo logo de volta ao Rio.
O título do disco vem dos versos de uma das canções que marcaram a retomada da parceria com Aldir Blanc. Após assistir ao show de lançamento do trabalho no Teatro Rival, permito-me discordar: Vai pro céu, sim! Vamos todos, pelo menos na hora e cinquenta que dura a apresentação.
Para quem tiver interesse e paciência de ler, quando o disco foi lançado, em 2009, escrevi uma longa resenha num e-mail para um grupo de apreciadores da canção brasileira, egressos, o grupo e os apreciadores, das oficinas de letra de canção de Francisco Bosco (filho do João), Fred Martins e Marcelo Diniz, das quais já falei aqui.
O show pega bons momentos do disco e os mescla com outros ótimos momentos da carreira de João Bosco, o que já é dizer muito. Ao lado de um trio de músicos feroz e animadíssimo, que começa no patamar mais alto do samba-jazz ou samberklee, como brincou Caetano, em referência ao Berklee College of Music, tocando uma versão demolidora de Incompatibilidade de Gênios. Esse primeiro set do espetáculo é todo intenso, com Ricardo Silveira (guitarra),  Ney Conceição (baixo) e Jurim Moreira (bateria) unindo-se ao violão de João e claramente se divertindo muito com as combinações de arranjo. As músicas do disco novo aparecem pra dar uma suavizada, como em Perfeição. Pena que os três meses de lapso não me deixam lembrar da lista de músicas e de detalhes de execução.
O segundo set é de João e seu violão, ele que como outro João, guarda uma relação muito íntima e especial com seu instrumento. É a hora de ouvirmos versões delicadas e intensas de canções do disco novo, como a desnorteante Desnortes e a indispensável Tanto Faz, clássicos de João Bosco como  e joias da canção brasileira, de Caymmi a Paulinho da Viola, passando por Tom Jobim, pra vocês sentirem a dimensão da coisa.
O terceiro set é João correndo pro abraço, tocando aquelas músicas que todo mundo quer ouvir: Papel Machê, Corsário, Quando o Amor Acontece, Jade etc. A energia circulando entre palco e plateia no Rival daria para abastecer um povoado por algumas semanas, caso a tecnologia dos homens já soubesse converter vibrações musicais e amorosas em eletricidade.
Como já falei aqui, João Bosco e Chico Buarque me parecem dois artistas que conseguem, a essa altura de suas vidas, criar canções inéditas que nos chegam com o frescor de um artista novo, desconhecido, de quem ouvimos uma música e dizemos "esse ainda vai longe". Também como Chico, quando João diz alguma coisa, vê-se nitidamente que aquilo foi pensado, refletido, sentido.
O mundo dá tanta volta que dia desses, depois de ver o Flamengo (meu e de João hehehe) despachar mais um adversário rumo a Tóquio (o Mundial de Clubes ainda é no Japão? Lá se vão 30 anos...), fiquei relaxando vendo um minicapítulo de O Astro, remake de novela lançado pela Globo com a versão original da música tema de João e Aldir, Bijuterias, na abertura. Que soa ainda hoje moderna, uma espécie de bolero-soul-rap. com seus trechos falados, que lembram também a recente Tipo um Baião, do Chico. É como se os compositores quisessem explicitar a relação da fala com a canção.
Se João Bosco passar na sua cidade, largue tudo e vá ver. Afinal, quando um cara que mora dentro da casca do próprio violão sai por aí arrastando a casa, há que se ter ouvidos de ouvir.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Bonequinha viu



Minha filha, 7 anos, crítica de cinema:
- Caraca, eu já conheço esse filme desde que eu era pequenininha...
- O filme é bom, mas é triste.
- Não pode ser 3D! As pessoas vão chorar e molhar os óculos, ninguém vai ver nada!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Tempo Tempo Tempo Tempo

Quando Caetano Veloso fez sua Oração ao Tempo, repetiu quatro vezes por verso, dois versos por estrofe, dez estrofes na canção a palavra, dizendo portanto oitenta vezes em três minutos e meio: Tempo. A palavra e o tema estão hiperpresentes em cada passo, cada texto, cada conversa, cada segundo do minuto. Sobre o tempo, poderia citar dezenas de letras e poemas, mas fico com esse de Sophia de Mello Breyner Andresen (nome sonoro e lindo como seus poemas), publicado hoje pelo Antonio Cícero em seu blog
Ontem na aula inaugural do POP, Maria Rita Kehl falou do tempo. Não no sentido de falar do tempo meteorológico, aquela conversa de elevador que é expressão pura de procedimentos de bom convívio, e uma das mais geniais contribuições dos britânicos à civilização, ao lado de Jane Austen, Beatles e Harry Potter, mas do tempo, esse mesmo que você não tem, eu não tenho, que se acelera e "de hora em hora me arranca um pedaço". O cão da letra de Querido Diário, canção do disco novo de Chico Buarque está também no título do livro de Maria Rita Kehl, O Tempo e o Cão, sobre depressivos e sua visão do tempo.
Na conferência, Maria Rita Kehl (vou ficar escrevendo o nome dela inteiro, porque é tão mais sonoro...) falou da correlação entre a percepção da aceleração do tempo e o aumento da incidência das depressões. Mas falou também de tempo e educação, tempo e terceira idade, tempo e crianças, tempo e adolescentes, tempo e nossa visão do tempo ao longo do tempo.
Falou por exemplo das crianças com suas agendas lotadas, filhas de pais que jamais as ensinaram a esperar e que um belo dia, diagnosticadas com déficit de atenção, passam a depender da ilusão farmacêutica movida a bilhões de dólares para se adaptar a velocidade social. Mas aí têm dificuldade para dormir, e há outra droga de aluguel pra resolver o problema etc. Segundo Maria Rita Kehl, estudos americanos indicam crianças tomando até cinco medicamentos diferentes.
Numa reflexão em contraponto, iluminando a necessidade vital de se permitir às crianças um tempo livre, de devaneio, sem demanda, ela lembrou que nas tardes de chuva do Sitio do Picapau Amarelo, Pedrinho e Narizinho brincavam de parar de pensar. Pensem nisso! Ou melhor, não pensem.
Embora ela escreva no Estadão, eu só conhecia (e gostava muito de) dois ou três textos da Maria Rita Kehl, um sobre os Racionais MC e alguns outros que podem ser lidos em seu site, mas a presença dela falando de forma tão coloquial sobre questões tão imensas foi uma grata realização, que acredito se repetirá dentro do ciclo Mutações - Elogio à Preguiça, onde ela vai falar de samba e que conta com vários palestrantes interessantes abordando os mais diversos aspectos da preguiça. Vejam o que Maria Rita Kehl escreve no blog do ciclo, sob o título Kamikazes automáticos:

Tenho pensado que em geral o aspecto positivo da preguiça se apresenta a nós como uma crítica à ideologia do trabalho e uma recusa á atividade produtiva em favor da reflexão, da contemplação, do pensamento. Até aí tudo bem, concordo com o que o Adauto publicou domingo no “Ilustríssima”. Mas penso que a preguiça que predomina em nosso tempo é de outra ordem: a preguiça que se esconde no próprio automatismo da hiperatividade. Preguiça de parar para pensar a vida, preguiça de mudar, preguiça de recomeçar. Vamos em frente no piloto automático, com preguiça de acionar o pensamento crítico. Este é o aspecto negativo da preguiça que se esconde na pressa. Eu, que sou uma apressada crônica, bem sei que a pressa é também uma espécie de preguiça.

Por falar em presença, ela disse que consegue ver pelo menos quatro coisas que têm que ser necessariamente presenciais: Teatro, Sexo, Educação. E conferências, aulas, palestras de pensadores brilhantes e simples, acrescento eu. A última coisa citada me confirmou a impressão que tinha: Educação à Distância não é Educação. Pode ser treinamento, capacitação, sei lá. E ótimo, mas não é Educação.
Explicando e ligando textos de Henri Bergson e Walter Benjamin com muita clareza e simplicidade, Maria Rita Kehl deixou no início de sua conferência o principal recado, citando Antonio Candido: "Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida." Simples assim.

domingo, 31 de julho de 2011

Tipo um disco do Chico

A fotogramas tantos do documentário Dia Voa, sobre a gravação de seu novo disco, CHICO, Chico Buarque fala sobre ESSA PEQUENA (faixa 3): "Não é um blues, é tipo um blues. Aliás, tudo nesse disco é assim, TIPO UM BAIÃO (faixa 4), tipo uma valsa." E arremata, ironicamente: "tipo um samba". Pois é, CHICO é tipo um disco do Chico. Fabuloso, brilhante, riquíssimo de detalhes, nuances, chistes musicais e verbais, referências quase infinitas a músicas suas, a músicas do próprio disco, a obras literárias, em um jogo de espelhos marcados pelo tempo, onde a imagem dos duplos vem distorcida, ligeiramente alterada, refeita, recontada.
Se alguém tem 30 reais e 31 minutos pra gastar, compre e ouça o disco, é o melhor investimento musical que vai fazer em muito tempo.
Assim como as canções do disco são a sua visão de ritmos variados, filtrada por uma formação de fã da canção americana dos anos 50 que sofreu, como todos de sua geração, o choque do fenômeno João Gilberto e da Bossa Nova, o disco é a visão do Chico Buarque de hoje, 67 anos, namorando uma mulher de 30, depois de todas as transformações porque passou o mundo desde que ele compôs por exemplo, A Banda.
Sobre o disco, outros já escreveram com muito mais conhecimento e competência que eu. Recomendo os textos de José Miguel WisnikFrancisco Bosco (cujo título brinca de espelhar essa assombrosa canção de Chico, do disco Paratodos, Tempo e Artista, que venho pensando em mencionar aqui num post pensado e não escrito (como tantos...) sobre o domínio que o artista alcança de seu ofício com o tempo, pensando em Chico, João Bosco e Paul Simon, por exemplo) e Arthur Nestrovski, este incluindo comentários específicos sobre as harmonias e melodias de cada canção.
Claro que os três autores compartilham muitas ideias sobre canção, são fãs confessos do Chico, e portanto estaríamos diante de um caso típico de filtro-bolha, mas em se tratando de Chico, os bolhas são os que estão fora da bolha, por assim dizer.
Quanto a reações ao disco, muita gente parece querer aquele Chico dos anos 70, por aí. Deve haver muitas razões para isso, mas enxergo principalmente três:
1) Quem foi jovem naquela época lembra das músicas da juventude, da sua juventude, e atribui a elas uma qualidade e relevância maior do que às de agora.
2) A música de Chico era o mainstream da música de classe média (existe isso?), era o que todo mundo bem-informado (existe isso?) ouvia, gostava, dizia que era bom. Hoje, tudo é tão segmentado que não tem mainstream. Tem que ouvir e gostar ou desgostar por si mesmo.
3) O lado musical do Chico compositor foi incorporando novas harmonias, melodias, e ficou mais distante da música chiclete, fácil de decorar e sair cantando. (Embora Chico, o disco, tenha várias canções decoráveis e assoviáveis).
Bom, e o disco? Em conversa com João Bosco, seu parceiro em SINHÁ (faixa 10), Chico comenta que o lançamento gradual das músicas pelo site permite que se vá conhecendo-as aos poucos, e João acrescenta que é preciso dar ao disco seu tempo, ao que Chico conclui: "Pois é, primeiro o cara tem uma música favorita, depois é outra, é assim mesmo" Aqui do alto das minhas 34 57 62 audições, concordo. A faixa que abre o disco, QUERIDO DIÁRIO, foi lançada há um mês no tal esquema do site - que abandonei após ouvir essa canção, preferi aguardar o disco completo, e não me arrependi - e teve seu reinado de 17 audições ao dia aqui em casa (para desepero da minha filha de 7 anos, mais afeita aos Justins Biebers da vida...). SE EU SOUBESSE, que pra mim devia se chamar LARARI, já era conhecida no dueto de Thais Gulin e Chico no disco dela, e também foi, segundo o Itunes, ouvida naquela versão 52 vezes (fora as no Ipod... - essa aqui a Clara já cantarolava o larari junto hehehe). A nova gravação repete o dueto com outro arranjo.
Das outras oito canções, minhas favoritas vêm flutuando entre RUBATO, TIPO UM BAIÃO, SEM VOCÊ 2, BARAFUNDA e SINHÁ. As outras três (ESSA PEQUENA, SOU EU e NINA) também são absolutamente geniais, mas de toda a obra do Chico eu só não gosto muito de umas três ou quatro, então não chega a ser vantagem.
Mas vamos às músicas. O disco é um disco "cheio de amor pra dar", como diz Chico. Um amor maduro, com a sabedoria  e o possível ridículo do sessentão, e a possibilidade do sentimento do jovem, ainda segundo o próprio. As canções seguem na maioria a temática do amor, ainda que muitas vezes como primeira leitura, trazendo por trás outras reflexões.
QUERIDO DIÁRIO (faixa 1) até fala do amor ("hoje afinal conheci o amor / e era o amor uma obscura trama), mas é um diário, um retrato do cotidiano, de um novo cotidiano, como frisa Chico, que polvilha ao longo das letras do disco todo diversas observações sobre esse mundo que é tão diferente do que já foi o mundo pra quem tem 67 anos (ou 43... - sobre nostalgia, épocas de ouro e etc, ver o texto do Caetano, citado pelo Antonio Cícero, sobre Meia Noite em Paris, do Woody Allen - mas antes corram ao cinema e vejam o filme!). Querido Diário tem urbanidade, caos urbano, busca de espiritualidade, violência e relações amorosas, encerrando em uma estrofe meio roseana,  onde a mania de Chico de alterar as letras até o último instante tirou da versão cantada o detalhe "trouxe um porreta e um porrete a mode me me quebrar", como está no encarte. Ouve-se só "um porrete, um porrete". Menos (ou mais) um jogo verbal, dos tantos do disco. Chico revela que a ideia da melodia veio de uma das músicas que inventa pros netos (como A Ostra e o Vento, que também surgiu dessa forma). A música é "tipo um coco, que vira uma moda de viola". Os versos "de volta a casa na rua recolhi um cão que de hora em hora me arranca um pedaço" me remeteram a um o cão que aparece em História do Cerco de Lisboa, do Saramago, provavelmente pelo uso tão lusitano de "de volta a casa". Ao mesmo tempo, penso no mito de Prometeu, com seu fígado comido a cada dia. A aceleração do tempo e da tecnologia (Prometeu rouba o fogo do Olimpo e o dá aos mortais) faz com que a mordida agora seja a cada hora. Os pedaços que o cão arranca do narrador de QUERIDO DIÁRIO são os nacos de tempo que nos leva o cotidiano. O tempo roubado. O que nos leva a
RUBATO, que na terminologia musical (tempo rubato, tempo roubado em italiano) significa que o intérprete "rouba" um pouco do tempo de algumas notas e o compensa em outras (Wikipedia). Prática comum na canção brasileira, adiantando ou atrasando o canto para coincidir ou não a sílaba forte das palavras com o tempo forte da frase melódica (ver Geraldo Pereira - de quem Chico já gravou Sem Compromisso - João Gilberto, Elis Regina, Orlando Silva etc - incluindo Wilson das Neves, convidado em SOU EU). A historinha da música é de uma canção que vai sendo apropriada por compositores que a roubam e a dedicam a amadas de nomes convenientemente rimados (Aurora / Amora / Teodora - ecos de Bandeira). O último ainda corta um pedaço da estrofe. A brincadeira revive as compras de sambas e a famosa frase atribuída a Sinhô (mas que pode ter sido roubada de outro hehehe): "Samba é igual a passarinho, é de quem pegar primeiro". Rimas como íntima / última, típicas do Chico. A melodia é mais uma do baixista Jorge Helder, que já tinha emplacado a bela e difícil (existe isso?) Bolero Blues no disco anterior, Carioca, sobre a qual Chico teve um sonho extremamente revelador do tal descompasso entre o Chico que muitos querem ouvir e o Chico que mudou e faz músicas assim, lindas e "esquisitas", como ele diz.
ESSA PEQUENA é um blues com rimas da melhor lavra buarquiana, com Chico cantando acorda com sotaque paulista (curitibano?) (acorrda) pra ficar quase acorida e rimar com Flórida, assim como sobra antes rima com abóbora na música. Só ouvindo mesmo. "Meu dia voa e ela não acorda / Meu cabelo é cinza e o dela é cor de abóbora". Chico diz que a princípio o disco parecia ser fundamentalmente sobre seu amor pela música, pois várias letras falam o nome do gênero ("sinto que ainda vou penar com essa pequena / mas o blues já valeu a pena). O tempo roubado volta em "feito avarento conto os meus minutos, cada segundo que se esvai", enquanto a pequena "esbanja horas ao vento, ai". Os versos "Acho que nem sei direito o que é que ela fala mas / não canso de contemplá-la" nos levam para a quarta faixa
TIPO UM BAIÃO, uma música que começa tipo quase falada, tipo canção sendo feita, acelera, desacelera, brinca com divisões e ritmos (tempo rubato, lembram?) e usa expressões do dialeto adolescente (tipo assim, igual que nem, mané, se jogar de cara). Chico rima através com abadás, o coro entra com tudo no final totalmente assoviável e decorável da canção: "Meu coração / que você sem pensar / ora brinca de inflar / ora esmaga / igual que nem / fole de acordeão / tipo assim no baião / do Gonzaga". Uma guitarra distorcida encerra a faixa e temos, outra vez, uma obra-prima. (Deu pra ver que é a favorita de hoje? Esperem até a faixa 6 - Sem você 2)
SE EU SOUBESSE já valia só pelo verso "Ah, se eu soubesse nem olhava a Lagoa", e pelo larari. Mas ainda por cima é uma música linda, com muitas variações de melodia e letra reiterando a inevitabilidade do amor cantado em dueto. E é, como disse o Francisco Bosco, uma dessas músicas pra ficar na cabeça, e que só não é hit porque não se fazem mais hits como antigamente, no sentido de que a canção brasileira não tem mais essa presença cultural. Não me venham com Luan Santana, data venia a minha filha!
SEM VOCÊ 2 começa nos acordes da Sem você original, de Tom e Vinicius, que Chico cantou em shows como homenagem à partida de Tom. A primeira estrofe parece falar do Tom: "Sem você é o fim do show / tudo está claro tudo é tão real / as suas músicas você levou / mas não faz mal" Depois vamos vendo que trata-se de uma música de fim de amor, e a homenagem só fica mais viva aos dois mestres. Até porque (diz o Nestrovski, eu não entendo nada disso!) as harmonias vão se modificando ao longo das estrofes, acentuando a melancolia suave da letra. Só ouvindo mesmo (já disse isso?). "Sem você o tempo é todo meu / posso até ver o futebol / ir ao museu / ou não / passo o domingo olhando o mar / ondas que vêm / ondas que vão / sem você é um silêncio tal / que ouço uma nuvem a vagar no céu" O verso "passo o domingo olhando o mar" me levou de novo a questão do tempo roubado. Quem hoje passa um domingo olhando o mar, embora muitos o passem no Facebook? Outro dia li um texto da Zélia Duncan Se Noel fosse Caymmi, sobre a prolixidade do primeiro versus a longevidade do segundo. Nem concordo com a conclusão meio na brincadeira do texto, mas me pergunto, e se Caymmi tivesse ficado a acessar o Livro de Faces em vez de olhar o mar? Nessa Sem Você 2, aparece ainda outra marca de Chico (o disco e o compositor): dizer de maneira ligeiramente diferente a mesma coisa a cada estrofe: mas não faz mal / mas tudo bem / mas não tem nada não. Na repetição do "não tem nada não", com uns acordes daqueles bem Tom, a canção acaba.
SOU EU é um samba mesmo, clássico, melodia de Ivan Lins, uma delícia. A letra é meio o avesso de Deixe a Menina. Aqui o cara não liga pro que a moça faz no salão, pois sabe que quem carrega a moça pra casa é ele, quem manda no samba é ele, quem brinca na área é ele. O rubato volta na interpretação GeraldoPereiriana de Wilson das Neves, convidado da faixa, que brinca na área das divisões e manda no samba. Chico relata no documentário sua dificuldade de gravar em cima da voz de Wilson o trecho final do samba, tal o swing.
NINA é tipo uma valsa, que na concepção original de arranjo de Luis Claudio Ramos tinha orquestras inteiras e ficou com um conjunto menor, mas muito clássico. Os sons da música remetem ao russo. "Nina diz que embora nova (em Boranova?)", "Nina diz que se quiser eu posso ver na tela (Verna Tela?)". A descrição de situações típicas da Internet, com citação ao Google Street View e tudo remete ao linguajar adolejovem de TIPO UM BAIÃO. A música ainda é uma espécie de espelho (outro...) de Iracema, que voou para a América. Assim como em Flor da Idade Chico interpõe uma mesma consoante em cada par de palavras do mesmo verso de cada estrofe (festa / fresta - copo / corpo - dama / drama), os versos finais das estrofes de Nina usam recurso semelhante ao rimarem mapa / rapta e toca / vodka. Só ouvindo, etc.
BARAFUNDA é uma descrição riquíssima de uma memória bagunçada, em que "misturam-se os fatos / as fotos são velhas / cabelos pretos / bandeiras vermelhas". As gerações jovens por certo ignoram, mas houve uma revista com o nome Fatos & Fotos, naqueles tempos. As mulheres citadas na letra incluem Aurora (de Rubato) e Ariela (de Benjamin), além de outras. A sequência da memória evolui pela letra da canção (que a princípio ia se chamar Largo da Memória). Gostei particularmente do trecho "foi Garrincha, não / foi de bicicleta / juro que vi aquela bola entrar na gaveta / tiro de meta" Pra mim o Chico pensou nessa bola aquiA canção volta a sugerir o contraste geracional, entre quem já tem idade pra lembrar de alguma coisa antes do Google, e esse  cotidiano atual de Querido Diário, ou o modo de vida jovem d´Essa Pequena de Tipo um Baião etc. A letra alterna os tempos verbais é, foi, era, nos fazendo suspeitar que a memória é um tempo presente, o presente ficção e/ou vice-versa ao contrário. Pode se ver uma referência ao memorial que é Leite Derramado, seu romance mais recente, o qual por sua vez é inspirado na canção O Velho Francisco. Aliás, Chico lembra que há mais de vinte anos (quase metade de sua carreira) vem alternando música e literatura, e esse disco mostra claras conexões com sua escrita, seja no personagem do narrador de Querido Diário, que nos lembra o de Estorvo, seja na Ariela que surge impossível na memória em Barafunda, seja nos duplos e triplos de Benjamin e Budapeste, salpicados pelo disco, seja na discussão sobre a formação da sociedade brasileira, pano de fundo de Leite Derramado ecoando em Sinhá. O último verso de Barafunda enumera no presente nomes do futebol, da música e da luta pela liberdade/igualdade: "É Garrincha, é Cartola e é Mandela." Todos mestiços ou negros, o que nos leva a 
SINHÁ, retomada da parceria com João Bosco, que tinha rendido em 1984 a bela, dramática e pouco conhecida Mano a Mano. Sinhá é um afrossamba milongueiro, segundo Chico, e tem a participação hiperespecial de João Bosco na concepção do arranjo, violão, assovio e vocais, sendo praticamente uma faixa à parte no disco, e, estranhamente (ou obviamente), funcionando como um fecho perfeito de tudo o que foi dito com letra e música até aqui. Assim como Querido Diário abre o disco e foi a última canção a entrar, aquela que estava na manga (um hábito de Chico), Sinhá, nas palavras de Chico "corria por fora", pois não fora ensaiada com os outros músicos, e teria o arranjo determinado pelo violão de João Bosco, como aliás não podia deixar de ser. O novo clássico da canção brasileira pode ser visto no vídeo de lançamento transmitido ao vivo pela Internet. Sobre uma melodia swingada, percussiva e profunda de João, Chico vai construindo em primeira pessoa o relato de um escravo punido por seus amores com a Sinhá, que ele nega, e o relato confirma nas entrelinhas. No trajeto, até a linguagem vai apanhando, segundo Chico, e o vosmecê virando vosmincê, e o vosmincê virando vassuncê, até que a última estrofe muda o narrador e nos apresenta um cantor de "voz do pelourinho e ares de senhor, herdeiro sarará do nome do senhor e das mandingas do escravo que enfeitiçou Sinhá". Um retrato doído, lanhado, sério, irônico e iluminador do Brasil mestiço. A canção devia ser ensinada nas escolas, proibindo os professores de pedirem interpretação de texto. Toca a música, deixa a garotada ouvir, toca de novo, diz pra pensar naquilo, diz pra escrever o que achou, depois cada um lê pros outros o que escreveu, discute-se, e segue a vida. Alguém aperta o repeat aí.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

And the winner is...

Pessoal, ganhei o concurso para escrever um prefácio ao livro do Leoni, Manual de Sobrevivência
no Mundo Digital.

Vejam a publicação do resultado no site O Livreiro, e o vídeo do Leoni comentando.

Por falar em comentários, o de Clara: "Ganhou? Concurso? Ganhou o que? Eu vou ganhar chocolate? Eu quero chocolate!! Vou cobrar do Leoni!"

Valeu pela força!





terça-feira, 3 de maio de 2011

Larari be bop a lu la

Na faixa The Afterlife, de seu novo disco, So Beautiful or So What, cujo vídeo mostrei incidentalmente no finalzinho do post aí embaixo, Paul Simon apresenta uma bem-humorada visão do Plano Astral como uma espécie de repartição onde todos, de Buda a Moisés, narizes aquilinos ou chatos, têm que preencher primeiro um formulário, depois esperar na fila. A distração de uma paquera com uma garota de cabelos cor de sol parecendo uma rainha de baile não rola, e no fim, na presença oceânica do amor do Senhor, tudo que ele consegue dizer pra se explicar é um fragmento de canção. E ele se pergunta: "Lord, is it Be Bop a Lula? Or Ooh Papa Dooh?"

Pois bem, a nova e badalada canção de Chico Buarque usa um fragmento de canção, uma melodia solfejada, a canção antes de ser, ainda em processo de composição, mas já completa em som, sentido e beleza, enfim, um larari, para concentrar todo o sentido de Se Eu Soubesse, faixa do disco de Thaís Gulin, cantada em dueto por ambos. Ouçam só:







O larari aparece tão lindo na canção que eu, com a deformação amadora do ESCOL@, Escritório de Consultoria de Letras Alheias, gostaria de palpitar numa letra logo de quem e imaginar que a canção podia muito bem levar o título de Larari. A beleza da coisa, como dizem, é que o Chico consegue (de novo, e de novo, e de novo, e etc.) brincar com as palavras de uma forma tão incrível como no referido verso dessa canção, em que ele repete três vezes o som aí, sendo que duas vezes uma palavrinha tão banal quanto aí, e logo com dois significados e duas subclasses gramaticais!



"Mas acontece que eu saí por aí e aí... larari larari..."



Assim como na canção do Paul Simon, o fragmento de canção pra inexprimir tudo é um momento em que vale mais o som que o sentido, em que só um larari pode dizer o que não se diz, e ser entendido. Ao longo da minha estrada de apreciador da canção brasileira - esse universo oceânico de amor do qual podemos dizer pouco mais que larari, aí cabendo Caymmi, Noel, Gil, Chico, Roberto, Caetano, Paulinho e, fundamentalmente, etc - venho migrando da apreciação da letra para a da música, e cada vez mais do equilíbrio tênue e intenso das duas. Portanto esse verso, se não me fez chorar, como a outros, me fez escrever um post.



Considerando-se que o "aí" também existe como conceito filosófico de um Heidegger desses, tudo se larariza mais ainda. Nas malhas do acaso, calhou ainda de eu, embora não acredite exatamente em letras de música sem música (para um texto sobre isso, cliquem), ter escrito essa que segue, antes de conhecer as canções mencionadas, sob o impacto da leitura do Sociedade Excitada, que compareceu também no post aí de baixo:



SAMBA SENSACIONAL
(Luiz Henrique)

vertigem visUAUditiva
agora agora agora aqui
crisma e eleva tudo a sensações
mata e enterra todo aí
o que somos nós

linguagem tera-interativa
morre fora assim de si
só me leva nunca mais me traz
só me leva só me leva
onde vamos nós

quanto mais menos se vê
quem tem tudo nada tem
tudo move menos eu
o que eu acho se perdeu
quase tudo nada diz
quase qualquer samba faz
chorar

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A mídia e as crianças


Conheci hoje e fiquei fã do site (em inglês) dessa revista, Psychology Today, que reúne dezenas de blogs de autores de livros sobre temas variados de Psicologia.

Vi um post bem legal sobre a influência da mídia nas crianças, defendendo que, assim como há 60
anos fumar era normal e não havia restrições a propaganda ou a fumar perto de crianças, daqui a alguns anos provavelmente acharemos incrível como no início deste século nossas crianças eram expostas sem controle à mídia.

O artigo ressalva que, enquanto fumar não é absolutamente bom pra ninguém, a mídia pode ser muito útil, desde que com acesso moderado e com reflexão sobre sua influência. Eu acho que isso aí vale pra todos nós, e não só as crianças, ainda mais depois de ler o livro Sociedade Excitada: filosofia da sensação, do filósofo alemão Christoph Türcke. (só mesmo assim pra voltar a digitar um trema!). O livro apresenta uma teoria social para nossos dias hipermidiáticos muito abrangente e iluminadora. Não é exatamente uma leitura leve e fácil, com alguns problemas de estilo ou talvez de tradução (Caetano tem razão, "se você tem uma ideia incrível é melhor fazer uma canção. Está provado que só é possível filosofar em alemão"), mas vale a investida. Pra quem preferir um trailer, há uma entrevista na Folha (o título sensacionalista da matéria acaba sendo perfeito em uma conversa com um filósofo que critica exatamente esse tipo de coisa!).

Ainda sobre o post, a comparação que achei bem feita foi de que "a mídia está para o desenvolvimento infantil saudável assim como as sobremesas estão para a alimentação saudável". E o post prossegue dizendo que assim como, se depender da maioria das crianças elas nunca param de comer sobremesa, cabe aos responsáveis controlar a "ingestão" de mídia por parte dos pequenininhos.

Outro site legal (também em inglês) sobre, digamos, Gestão de Exposição Infantil à Mídia para Pais e Responsáveis (nossa, vou lançar uma pós-graduação com esse título, vai ser um hit!) é o Common Sense Media, inclusive com textos sobre cyberbullying e classificação etária para filmes, games e programas de TV feita pelos pais (acho os pais americanos um pouco mais rigorosos/moralistas que nós, quando lá diz que a classificação é 10 anos tá bom pra Clarinha rsrsrs)

E, como diria o Monty Phyton, agora para algo completamente diferente, do novo disco de Paul Simon, So Beautiful or So What, que há uns três dias não sai da vitrola aqui em casa (no caso, do Ipod, a mídia etc.), a interessantíssima The Afterlife. Valeria outro post, mas a irregularidade própria do Correio faz com que seja melhor não arriscar...



After I died, and the make up had dried, I went back to my place.
No moon that night, but a heavenly light shone on my face.
Still I thought it was odd, there was no sign of God just to usher me in.
Then a voice from above, sugar coated with Love said, “Let us begin”.

You got to fill out a form first, and then you wait in the line.
You got to fill out a form first, and then you wait in the line.

OK, a new kid in school, got to follow the rule, you got to learn the routine.
Woah, there’s a girl over there, with the sunshiny hair, like a homecomin’ queen.
I said, “Hey, what you say? It’s a glorious day, by the way how long you been dead?”
Maybe you, maybe me, maybe baby makes three, but she just shook her head…

You got to fill out a form first, and then you wait in the line.
You got to fill out a form first, and then you wait in the line.

Buddah and Moses and all the noses from narrow to flat, had to stand in the line, just to glimpse the divine, what you think about that?
Well it seems like our fate to suffer and wait for the knowledge we seek.
It’s all his design, no one cuts in the line, no one here likes a sneak

You got to fill out a form first, and then you wait in the line.
You got to fill out a form first, and then you wait in the line.

After you climb, up the ladder of time, the Lord God is here.
Face to face, in the vastness of space, your words disappear.
And you feel like swimming in an ocean of love, and the current is strong.
But all that remains when you try to explain is a fragment of song…
Lord is it, Be Bop A Lu La or Ooh Poppa Do
Lord, Be Bop A Lu La or Ooh Poppa Do
Be Bop A Lu La

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Mais Concurso

Pessoall, Entrei num concurso de prefácios do site O Livreiro para o livro do Leoni, Manual de Sobrevivência no Mundo Digital. Quem quiser ler (o prefácio) é só clicar no link aí em cima.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Think Pink! (or lavender...)


Por conta de minha condição de pai de uma menina de seis anos, assistir a filmes da Barbie (e séries da Disney, e da Nick, e desenhos do Discovery, e ...) é uma ocupação que vem no pacote. Eu sinceramente não ligo e até gosto, porque além de os estúdios cuidarem sempre para que haja algum tipo de atração para pais nas produções, sempre se tira alguma interpretação psicosocioantropológica de araque da experiência.

Vinha adiando há tempos um post sobre o penúltimo filme da Barbie, Moda e Magia, e hoje após ver o último, O Segredo das Fadas, pago a dívida. O que me chamou a atenção em Moda e Magia (2010) foi que ali, ao contrário dos outros filmes de sua filmografia (19 nessa fase século XXI), a Barbie não representa um papel (Princesa da Ilha, Rapunzel, Sereia, Fada do Campo etc), mas aparece como ela mesma, uma estrela de cinema demitida de seu filme, no qual o diretor quer pôr zumbis em A Princesa e a Ervilha, uma brincadeira com a (imperdoável) moda de mashups, tipo Orgulho e Preconceito e Zumbis (eca!), Bom, no filme (e aqui peço vênia pra contrariar todos os princípios do M.A.T.E. - Movimento Anti-Trailer Explícito) a Barbie viaja a Paris e descobre um guarda-roupa mágico onde as fadas encantam vestidos e etc.

O que me fascinou na trama do filme foi essa passagem fluida do realismo à fantasia, que não me lembro de ter visto algures. Estabelece-se uma relação direta com a vida da Barbie enquanto celebridade, reflexo claro da era que vivemos, e a fantasia entra sem pedir licença, num cumprimento talvez involuntário ao primado da ilusão e à confusão das tênues fronteiras entre o real de cada lado das telas, tão presente em nosso cotidiano super-excitado pelos estímulos visUAUditivos.

No atual O Segredo das Fadas há um passo atrás dos roteiristas, talvez assutados com a ousadia anterior, e embora a trama tenha o mesmo princípio, agora ambientada na cidade mágica das fadas, Gloss Angeles (boazinha, não?), ao fim da aventura (em que a Barbie salva o Ken, claro, é função dela dar poder às meninas - há quem se horrorize, mas provavelmente são as mesmas que reclamam do machismo em todas as outras ocasiões. Tem gente que nunca está satisfeita.), as fadas fazem uma mágica para que todos os humanos envolvidos pensem que tudo foi um sonho (nova essa, não? - alguém disse Shakespeare aí?). O detalhe é que, mesmo tudo tendo sido um sonho, os personagens aprendem com a experiência e modificam sua maneira de ser. (alguém disse Freud e Lacan aí?)

Aguardo ansioso (na verdade relaxado, a ansiedade é outro revés da tal sociedade hiperexcitada a que tento bravamente resistir) Barbie e a Escola de Princesas, no segundo semestre de 2011 ("Por que eles anunciam com tanta antecedência, a gente fica ansiosa!!!!" - Clara, 6 anos, geração @nsiedade, valei-me todos os santos da literatura infantil e do ensino montessoriano!), pra ver que caminhos aponta a filmografia barbiana.

O Segredo das Fadas, como todo filme dela, tem mensagens positivas cercadas de muito estímulo à moda, maquiagem e consumismo, mas algo em mim nesse caso discorda da análise do fora isso ótimo site Common Sense Media, infelizmente só em inglês, e que é uma mão na roda na hora de acompanhar criticamente as preferências da galerinha na mídia e web afora. Pra mim, as mensagens da Barbie superam em benefício o mal que o consumismo estimulado causa, mas sei que é discutível.

Se a amizade forte entre as meninas é sempre um valor Barbie, neste filme as amigas são inimigas de escola e na adversidade são obrigadas a conversar presas numa mesma cela cujas paredes são feitas da energia da raiva da princesa Graciela (uau!) e ali, com tempo, longe da correria do dia-a-dia (superexcitação das sensações etc) discutem a relação, fazem as pazes no que foi um desentendimento fundado em mal-entendidos e a força dessa amizade rompe as cadeias da ira e tcha-ran!

Ironia à parte, é bonito. E a frase que encerra os créditos é "o perdão te faz voar". Bonito e verdadeiro.

A voz da Barbie nos filmes mudou de Kelly Sheridan para Diana Karinna nos últimos filmes. Fora dos desenhos ninguém está ficando da mesma idade e a Mattel queria alguém com uma voz mais nova que a dos impraticáveis 3o e poucos anos da atriz. Vida que segue...

Ah, o título da postagem refere-se à sutil mudança de tom nas cores do mundo da Barbie, por exemplo, na mochila atual da minha filha, de Moda e Magia, predomina o lilás. E, não, eu não acho que minha porção mulher é a porção melhor, no máximo uma tão boa quanto outra qualquer, mas qualquer motivo é bom pra ouvir Caetano cantando uma música de Gil:



quem sabe...

domingo, 27 de março de 2011

Clara abstrai


Depois de uma aula de artes na escola, Clara voltou muito impressionada com o talento e a vida dramática de Van Gogh ("Pai, por que ele cortou a orelha?")

Abri a internet e mostrei muitas imagens de quadros dele, além das que ela tinha visto no livro na escola e ela adorou ("Ah, que lindo! Que cores lindas!")

Resolvi fazer um microcurso relâmpago de história da arte e fui abrindo nas imagens do Google: Rafael, Renoir, Monet, Cezanne, Picasso, Pollock.


Monet ela conhecia das atividades no Tear, gostou de alguns, achou os mais modernistas horríveis.

Dois dias depois, eis o resultado. Perguntei o que era esse desenho que abre o post.

"Bom, ninguém entende o que os pintores pintam, né? Na verdade isso é a textura da onça."

Ah, esse outro de baixo é "só um coração".



sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Última flor


LINGUAZINHA

alcaçuz
seixo e brilho
nas canções
linguazinha

pedra e luz
peixe n´água
construções
pátria minha

água e nau
flor-de-rosa
voz de anzóis
puxa a linha

pedro e brown
caravela
de camões
ao chacrinha

dorival
gil veloso
dos sermões
cirandinha

joão cabral
joão gilberto
pero vaz
pixinguinha

faz miau
universo
viva voz
engatinha

teu batom
no ouvido
tom jobim
na vizinha

cada som
dez sentidos
do latim
poeirinha

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Antissocial

Não me conformei muito de escrever com dois esses e sem hífen, mas o acordo obriga.
Tentei algumas vezes (tá bom, uma...) me enturmar com o facebook, afinal sou um (a-ham!) profissional de informação, mas não é minha praia. Sinceramente acho que se a pessoa tem mais de 40, de coração, não dá pra embarcar nessa. O Twitter ainda funciona como fonte de informação, mas o facebook foge ao meu alcance. Como diz o Comandante (personagem que ainda não tinha aparecido no blog, onde eu tenho andado com a cabeça!?), eu devo ter um QI baixíssimo.
Assistindo a A Rede Social (e quase perdendo o início devido à discussão porque alguém sentou no lugar do outro nas cadeiras numeradas, sou totalmente contra lugar marcado no cinema, mas isso já é outro post. Só pra vcs pensarem: quando a sua cadeira está ruim, reclinando além do razoável [ingresso 30 paus, Kinoplex], e o cinema todo vendido, você faz o quê? Cartas para a redação), confirmei o que, por exemplo, Francisco Bosco já tinha escrito muito melhor que eu, em sua coluna (toda quarta no Segundo Caderno do Globo ): a história é sobre os Estados Unidos (logo sobre nós, completo eu), democracia, individualismo, e abre aspas uma questão decisiva da contemporaneidade: que sentido de alteridade estamos exercendo? O que significa “amigo” quando se lê, em redes sociais, a frase: “Você quer ser meu amigo?” fecha aspas.
O filme em si é uma narrativa feita sem imaginação ou qualidade artística (ressalva para a atuação honesta e correta de Jesse Eisenberg, o Zuckerqualquercoisa - que eu na hora confundi com o ator de Juno, 40 e poucos etc) sobre uma história chata: ser famoso, ganhar bilhões, não ser feliz na vida pessoal blá blá. Gostei um pouco da parte inicial, onde surge a ideia do site, dos algoritmos, um clima meio Uma Mente Brilhante, rabiscos na janela, universidade famosa (Princeton em vez de Harvard, mas enfim...).
Daí pra frente, salvo uma ou outra boa piada (afinal, estamos falando de roteiristas de Hollywood, por favor!), só me animei mesmo com a canção dos créditos (piada fraquíssima do contexto do filme com o título e a letra da canção, sutileza zero - afinal, estamos falando de roteiristas de Hollywood...), cuja origem foi uma ideia criativa de jovens que queriam melhorar sua vida social, antenar-se com o que havia de mais moderno no mundo na época e se possível ganhar algumas garotas.
40 e poucos, etc...