quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quando me sinto assim, volto a ter 11 anos

A TV no fundo da cena fala sobre o desastre da usina de Three Mile Island, e na minha cabeça passa o filme de um garoto de 11 anos (daí o título do post - pequena paródia dessa canção do IRA que inclui o verso "vivendo e não apendendo", título do álbum de 87) sob o céu azul de julho e as folhas de amendoeiras com seus matizes interminavelmente cambiantes, refletindo sobre a possibilidade do Skylab cair sobre a cabeça de alguns dos colegas que ali ao lado se digladiavam numa feroz batalha de futebol de chapinha, ele no time de fora.
O filme na tela do kinoplex, 2011, é SUPER 8, ambientado em 79, e se você já estava então na área e gosta do tipo de cinema de Spielberg, vale a ida. Spielberg co-produz o filme, escrito e dirigido por J.J. Abrams, criador de Lost. A reconstituição da época é, óbvio, brilhante (eu quase com certeza tive umas duas camisas iguais aos dos garotos do filme, e coleguinhas de 12 anos gracinhas como a atriz Elle Fanning), e a história mescla aquela doce melancolia embalada em suspense de tantos filmes do Spielberg com a trajetória clássica de filmes de descoberta da adolescência, como Conta Comigo ou Caçadoras de Aventuras, de preferência vistos em uma tarde útil, tornada superútil por alguma oportunidade inusitada de ócio.
Não dá pra contar quase nada da trama (não fosse o blog fundador e membro ferrenho [e único...] do M.A.T.E. - Movimento Anti-Trailer Explícito), mas graças a programas de edição de vídeo, editamos o trailer pra contar bem pouquinho (ainda mais que as legendas estão péssimas e incompreensíveis, mas já tava assim quando eu cheguei!) e mostrar o clima da película. Vejam aí e animem-se a pegar um cineminha sem compromisso. 
Ah, o melhor de tudo: não é 3D!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vamos, sim!

Com atraso injustificável de três meses, falo um pouco do fabuloso show de João Bosco no Teatro Rival, com as naturais impossibilidades de quem, segundo a própria filha, carrega a memória no celular...
O show fez parte de uma longa e fecunda turnê de lançamento do disco Não vou pro céu, mas já não vivo no chão, que já andou por todo o Brasil, Europa, Cabo Verde e além, e continua, semana passada em Caruaru, tomara que logo logo de volta ao Rio.
O título do disco vem dos versos de uma das canções que marcaram a retomada da parceria com Aldir Blanc. Após assistir ao show de lançamento do trabalho no Teatro Rival, permito-me discordar: Vai pro céu, sim! Vamos todos, pelo menos na hora e cinquenta que dura a apresentação.
Para quem tiver interesse e paciência de ler, quando o disco foi lançado, em 2009, escrevi uma longa resenha num e-mail para um grupo de apreciadores da canção brasileira, egressos, o grupo e os apreciadores, das oficinas de letra de canção de Francisco Bosco (filho do João), Fred Martins e Marcelo Diniz, das quais já falei aqui.
O show pega bons momentos do disco e os mescla com outros ótimos momentos da carreira de João Bosco, o que já é dizer muito. Ao lado de um trio de músicos feroz e animadíssimo, que começa no patamar mais alto do samba-jazz ou samberklee, como brincou Caetano, em referência ao Berklee College of Music, tocando uma versão demolidora de Incompatibilidade de Gênios. Esse primeiro set do espetáculo é todo intenso, com Ricardo Silveira (guitarra),  Ney Conceição (baixo) e Jurim Moreira (bateria) unindo-se ao violão de João e claramente se divertindo muito com as combinações de arranjo. As músicas do disco novo aparecem pra dar uma suavizada, como em Perfeição. Pena que os três meses de lapso não me deixam lembrar da lista de músicas e de detalhes de execução.
O segundo set é de João e seu violão, ele que como outro João, guarda uma relação muito íntima e especial com seu instrumento. É a hora de ouvirmos versões delicadas e intensas de canções do disco novo, como a desnorteante Desnortes e a indispensável Tanto Faz, clássicos de João Bosco como  e joias da canção brasileira, de Caymmi a Paulinho da Viola, passando por Tom Jobim, pra vocês sentirem a dimensão da coisa.
O terceiro set é João correndo pro abraço, tocando aquelas músicas que todo mundo quer ouvir: Papel Machê, Corsário, Quando o Amor Acontece, Jade etc. A energia circulando entre palco e plateia no Rival daria para abastecer um povoado por algumas semanas, caso a tecnologia dos homens já soubesse converter vibrações musicais e amorosas em eletricidade.
Como já falei aqui, João Bosco e Chico Buarque me parecem dois artistas que conseguem, a essa altura de suas vidas, criar canções inéditas que nos chegam com o frescor de um artista novo, desconhecido, de quem ouvimos uma música e dizemos "esse ainda vai longe". Também como Chico, quando João diz alguma coisa, vê-se nitidamente que aquilo foi pensado, refletido, sentido.
O mundo dá tanta volta que dia desses, depois de ver o Flamengo (meu e de João hehehe) despachar mais um adversário rumo a Tóquio (o Mundial de Clubes ainda é no Japão? Lá se vão 30 anos...), fiquei relaxando vendo um minicapítulo de O Astro, remake de novela lançado pela Globo com a versão original da música tema de João e Aldir, Bijuterias, na abertura. Que soa ainda hoje moderna, uma espécie de bolero-soul-rap. com seus trechos falados, que lembram também a recente Tipo um Baião, do Chico. É como se os compositores quisessem explicitar a relação da fala com a canção.
Se João Bosco passar na sua cidade, largue tudo e vá ver. Afinal, quando um cara que mora dentro da casca do próprio violão sai por aí arrastando a casa, há que se ter ouvidos de ouvir.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Bonequinha viu



Minha filha, 7 anos, crítica de cinema:
- Caraca, eu já conheço esse filme desde que eu era pequenininha...
- O filme é bom, mas é triste.
- Não pode ser 3D! As pessoas vão chorar e molhar os óculos, ninguém vai ver nada!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Tempo Tempo Tempo Tempo

Quando Caetano Veloso fez sua Oração ao Tempo, repetiu quatro vezes por verso, dois versos por estrofe, dez estrofes na canção a palavra, dizendo portanto oitenta vezes em três minutos e meio: Tempo. A palavra e o tema estão hiperpresentes em cada passo, cada texto, cada conversa, cada segundo do minuto. Sobre o tempo, poderia citar dezenas de letras e poemas, mas fico com esse de Sophia de Mello Breyner Andresen (nome sonoro e lindo como seus poemas), publicado hoje pelo Antonio Cícero em seu blog
Ontem na aula inaugural do POP, Maria Rita Kehl falou do tempo. Não no sentido de falar do tempo meteorológico, aquela conversa de elevador que é expressão pura de procedimentos de bom convívio, e uma das mais geniais contribuições dos britânicos à civilização, ao lado de Jane Austen, Beatles e Harry Potter, mas do tempo, esse mesmo que você não tem, eu não tenho, que se acelera e "de hora em hora me arranca um pedaço". O cão da letra de Querido Diário, canção do disco novo de Chico Buarque está também no título do livro de Maria Rita Kehl, O Tempo e o Cão, sobre depressivos e sua visão do tempo.
Na conferência, Maria Rita Kehl (vou ficar escrevendo o nome dela inteiro, porque é tão mais sonoro...) falou da correlação entre a percepção da aceleração do tempo e o aumento da incidência das depressões. Mas falou também de tempo e educação, tempo e terceira idade, tempo e crianças, tempo e adolescentes, tempo e nossa visão do tempo ao longo do tempo.
Falou por exemplo das crianças com suas agendas lotadas, filhas de pais que jamais as ensinaram a esperar e que um belo dia, diagnosticadas com déficit de atenção, passam a depender da ilusão farmacêutica movida a bilhões de dólares para se adaptar a velocidade social. Mas aí têm dificuldade para dormir, e há outra droga de aluguel pra resolver o problema etc. Segundo Maria Rita Kehl, estudos americanos indicam crianças tomando até cinco medicamentos diferentes.
Numa reflexão em contraponto, iluminando a necessidade vital de se permitir às crianças um tempo livre, de devaneio, sem demanda, ela lembrou que nas tardes de chuva do Sitio do Picapau Amarelo, Pedrinho e Narizinho brincavam de parar de pensar. Pensem nisso! Ou melhor, não pensem.
Embora ela escreva no Estadão, eu só conhecia (e gostava muito de) dois ou três textos da Maria Rita Kehl, um sobre os Racionais MC e alguns outros que podem ser lidos em seu site, mas a presença dela falando de forma tão coloquial sobre questões tão imensas foi uma grata realização, que acredito se repetirá dentro do ciclo Mutações - Elogio à Preguiça, onde ela vai falar de samba e que conta com vários palestrantes interessantes abordando os mais diversos aspectos da preguiça. Vejam o que Maria Rita Kehl escreve no blog do ciclo, sob o título Kamikazes automáticos:

Tenho pensado que em geral o aspecto positivo da preguiça se apresenta a nós como uma crítica à ideologia do trabalho e uma recusa á atividade produtiva em favor da reflexão, da contemplação, do pensamento. Até aí tudo bem, concordo com o que o Adauto publicou domingo no “Ilustríssima”. Mas penso que a preguiça que predomina em nosso tempo é de outra ordem: a preguiça que se esconde no próprio automatismo da hiperatividade. Preguiça de parar para pensar a vida, preguiça de mudar, preguiça de recomeçar. Vamos em frente no piloto automático, com preguiça de acionar o pensamento crítico. Este é o aspecto negativo da preguiça que se esconde na pressa. Eu, que sou uma apressada crônica, bem sei que a pressa é também uma espécie de preguiça.

Por falar em presença, ela disse que consegue ver pelo menos quatro coisas que têm que ser necessariamente presenciais: Teatro, Sexo, Educação. E conferências, aulas, palestras de pensadores brilhantes e simples, acrescento eu. A última coisa citada me confirmou a impressão que tinha: Educação à Distância não é Educação. Pode ser treinamento, capacitação, sei lá. E ótimo, mas não é Educação.
Explicando e ligando textos de Henri Bergson e Walter Benjamin com muita clareza e simplicidade, Maria Rita Kehl deixou no início de sua conferência o principal recado, citando Antonio Candido: "Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida." Simples assim.