sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Tempo Tempo Tempo Tempo

Quando Caetano Veloso fez sua Oração ao Tempo, repetiu quatro vezes por verso, dois versos por estrofe, dez estrofes na canção a palavra, dizendo portanto oitenta vezes em três minutos e meio: Tempo. A palavra e o tema estão hiperpresentes em cada passo, cada texto, cada conversa, cada segundo do minuto. Sobre o tempo, poderia citar dezenas de letras e poemas, mas fico com esse de Sophia de Mello Breyner Andresen (nome sonoro e lindo como seus poemas), publicado hoje pelo Antonio Cícero em seu blog
Ontem na aula inaugural do POP, Maria Rita Kehl falou do tempo. Não no sentido de falar do tempo meteorológico, aquela conversa de elevador que é expressão pura de procedimentos de bom convívio, e uma das mais geniais contribuições dos britânicos à civilização, ao lado de Jane Austen, Beatles e Harry Potter, mas do tempo, esse mesmo que você não tem, eu não tenho, que se acelera e "de hora em hora me arranca um pedaço". O cão da letra de Querido Diário, canção do disco novo de Chico Buarque está também no título do livro de Maria Rita Kehl, O Tempo e o Cão, sobre depressivos e sua visão do tempo.
Na conferência, Maria Rita Kehl (vou ficar escrevendo o nome dela inteiro, porque é tão mais sonoro...) falou da correlação entre a percepção da aceleração do tempo e o aumento da incidência das depressões. Mas falou também de tempo e educação, tempo e terceira idade, tempo e crianças, tempo e adolescentes, tempo e nossa visão do tempo ao longo do tempo.
Falou por exemplo das crianças com suas agendas lotadas, filhas de pais que jamais as ensinaram a esperar e que um belo dia, diagnosticadas com déficit de atenção, passam a depender da ilusão farmacêutica movida a bilhões de dólares para se adaptar a velocidade social. Mas aí têm dificuldade para dormir, e há outra droga de aluguel pra resolver o problema etc. Segundo Maria Rita Kehl, estudos americanos indicam crianças tomando até cinco medicamentos diferentes.
Numa reflexão em contraponto, iluminando a necessidade vital de se permitir às crianças um tempo livre, de devaneio, sem demanda, ela lembrou que nas tardes de chuva do Sitio do Picapau Amarelo, Pedrinho e Narizinho brincavam de parar de pensar. Pensem nisso! Ou melhor, não pensem.
Embora ela escreva no Estadão, eu só conhecia (e gostava muito de) dois ou três textos da Maria Rita Kehl, um sobre os Racionais MC e alguns outros que podem ser lidos em seu site, mas a presença dela falando de forma tão coloquial sobre questões tão imensas foi uma grata realização, que acredito se repetirá dentro do ciclo Mutações - Elogio à Preguiça, onde ela vai falar de samba e que conta com vários palestrantes interessantes abordando os mais diversos aspectos da preguiça. Vejam o que Maria Rita Kehl escreve no blog do ciclo, sob o título Kamikazes automáticos:

Tenho pensado que em geral o aspecto positivo da preguiça se apresenta a nós como uma crítica à ideologia do trabalho e uma recusa á atividade produtiva em favor da reflexão, da contemplação, do pensamento. Até aí tudo bem, concordo com o que o Adauto publicou domingo no “Ilustríssima”. Mas penso que a preguiça que predomina em nosso tempo é de outra ordem: a preguiça que se esconde no próprio automatismo da hiperatividade. Preguiça de parar para pensar a vida, preguiça de mudar, preguiça de recomeçar. Vamos em frente no piloto automático, com preguiça de acionar o pensamento crítico. Este é o aspecto negativo da preguiça que se esconde na pressa. Eu, que sou uma apressada crônica, bem sei que a pressa é também uma espécie de preguiça.

Por falar em presença, ela disse que consegue ver pelo menos quatro coisas que têm que ser necessariamente presenciais: Teatro, Sexo, Educação. E conferências, aulas, palestras de pensadores brilhantes e simples, acrescento eu. A última coisa citada me confirmou a impressão que tinha: Educação à Distância não é Educação. Pode ser treinamento, capacitação, sei lá. E ótimo, mas não é Educação.
Explicando e ligando textos de Henri Bergson e Walter Benjamin com muita clareza e simplicidade, Maria Rita Kehl deixou no início de sua conferência o principal recado, citando Antonio Candido: "Temos que entender que tempo não é dinheiro. Essa é uma brutalidade que o capitalismo faz como se o capitalismo fosse o senhor do tempo. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida." Simples assim.

Um comentário:

  1. Amei ! Fiquei muito comovida, com vida, movida para a vida mesmo.
    Assim como no tempo que passamos juntos tecendo prosa e seu verso aqui na minha varanda. Volte sempre !
    beijos Erica

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