Na faixa The Afterlife, de seu novo disco, So Beautiful or So What, cujo vídeo mostrei incidentalmente no finalzinho do post aí embaixo, Paul Simon apresenta uma bem-humorada visão do Plano Astral como uma espécie de repartição onde todos, de Buda a Moisés, narizes aquilinos ou chatos, têm que preencher primeiro um formulário, depois esperar na fila. A distração de uma paquera com uma garota de cabelos cor de sol parecendo uma rainha de baile não rola, e no fim, na presença oceânica do amor do Senhor, tudo que ele consegue dizer pra se explicar é um fragmento de canção. E ele se pergunta: "Lord, is it Be Bop a Lula? Or Ooh Papa Dooh?"
Pois bem, a nova e badalada canção de Chico Buarque usa um fragmento de canção, uma melodia solfejada, a canção antes de ser, ainda em processo de composição, mas já completa em som, sentido e beleza, enfim, um larari, para concentrar todo o sentido de Se Eu Soubesse, faixa do disco de Thaís Gulin, cantada em dueto por ambos. Ouçam só:
O larari aparece tão lindo na canção que eu, com a deformação amadora do ESCOL@, Escritório de Consultoria de Letras Alheias, gostaria de palpitar numa letra logo de quem e imaginar que a canção podia muito bem levar o título de Larari. A beleza da coisa, como dizem, é que o Chico consegue (de novo, e de novo, e de novo, e etc.) brincar com as palavras de uma forma tão incrível como no referido verso dessa canção, em que ele repete três vezes o som aí, sendo que duas vezes uma palavrinha tão banal quanto aí, e logo com dois significados e duas subclasses gramaticais!
"Mas acontece que eu saí por aí e aí... larari larari..."
Assim como na canção do Paul Simon, o fragmento de canção pra inexprimir tudo é um momento em que vale mais o som que o sentido, em que só um larari pode dizer o que não se diz, e ser entendido. Ao longo da minha estrada de apreciador da canção brasileira - esse universo oceânico de amor do qual podemos dizer pouco mais que larari, aí cabendo Caymmi, Noel, Gil, Chico, Roberto, Caetano, Paulinho e, fundamentalmente, etc - venho migrando da apreciação da letra para a da música, e cada vez mais do equilíbrio tênue e intenso das duas. Portanto esse verso, se não me fez chorar, como a outros, me fez escrever um post.
Considerando-se que o "aí" também existe como conceito filosófico de um Heidegger desses, tudo se larariza mais ainda. Nas malhas do acaso, calhou ainda de eu, embora não acredite exatamente em letras de música sem música (para um texto sobre isso, cliquem), ter escrito essa que segue, antes de conhecer as canções mencionadas, sob o impacto da leitura do Sociedade Excitada, que compareceu também no post aí de baixo:
SAMBA SENSACIONAL
(Luiz Henrique)
vertigem visUAUditiva
agora agora agora aqui
crisma e eleva tudo a sensações
mata e enterra todo aí
o que somos nós
linguagem tera-interativa
morre fora assim de si
só me leva nunca mais me traz
só me leva só me leva
onde vamos nós
quanto mais menos se vê
quem tem tudo nada tem
tudo move menos eu
o que eu acho se perdeu
quase tudo nada diz
quase qualquer samba faz
chorar